quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Tô lendo.

" Ele próprio estava surpreso. Agia contra seus princípios. Dez anos antes, quando se divorciara da primeira mulher, viveu o divórcio numa atmosfera de alegria, como outros comemoram o casamento. Compreendeu então que não nascera para viver ao lado de uma mulher, fosse quem fosse, e que só poderia ser um celibatário. Esforçava-se, portanto, cuidadosamente para organizar seu sistema de vida de maneira tal que nenhuma mulher jamais viesse se instalar com uma mala na casa dele. Por isso, só tinha um divã. Ainda que o divã fosse largo. ele dizia às companheiras que era incapaz de adormecer com alguém na mesma cama e as levava sempre de volta para casa depois da meia-noite. Aliás, a primeira vez que Tereza ficou na sua casa com gripe, ele não dormiu com ela. Passou a primeira noite numa poltrona grande, e nas outtas noites foi para o hospital; ali, em seu consultório, havia uma espreguiçadeira que utilizava nos plantôes noturnos.
No entanto, dessa vez, adormeceu ao lado dela. De manhã, ao acordar, percebeu que Tereza, que ainda dormia, segurava sua mão (com força, ele não conseguia se desvencilhar do aperto) e a mala pesadíssima estava ao lado da cama.
Ele não ousava retirar a mão por medo de acordá-la, e se virou com muito cuidado para poder observá-la melhor.
Mais uma vez, ocorreu-lhe que Tereza era uma criança colocada numa cesta e abandonada ao sabos da corrente. Como deixar derivar pelas águas turbulentas de um rio a cesta que abriga uma criança? Se a filha do faraó não tivesse retirado das águas a cesta di pequeno Moisés, não teria havido o Velho Testamento e toda nossa civilização! No começo de tantos mitos antigos, existe sempre alguém que salva uma criança abandonada. Se Pólibo não tivesse recolhido o pequeno Édipo, Sófocles não teria escrito sua mais bela tragédia!
Tomas não sabia então que as metáforas são uma coisa perigosa. Não se brinca com as metáforas. O amor pode nascer de uma simples metáfora."


Do livro " A Insustentável Leveza do Ser"

* Estou adorando...

Um comentário:

Anônimo disse...

esse livro é ótimo. li tem uns anos, quero relê-lo pra relembrar umas passagens.